Cresce número de pedidos para obter Certificado de Registro de armas no Exército

Solicitações aumentaram em todo o país. A região militar que inclui Pernambuco teve 689 autorizações de janeiro a julho deste ano
O engenheiro agrônomo Aurimenes Albuquerque, o coronel do Exército Leonardo Oliveira e o empresário Eudes de Luna treinam tiro em Paulista. Foto: Peu Ricardo/DP (O engenheiro agrônomo Aurimenes Albuquerque, o coronel do Exército Leonardo Oliveira e o empresário Eudes de Luna treinam tiro em Paulista. Foto: Peu Ricardo/DP)
O engenheiro agrônomo Aurimenes Albuquerque, o coronel do Exército Leonardo Oliveira e o empresário Eudes de Luna treinam tiro em Paulista. Foto: Peu Ricardo/DP

O brasileiro está se armando mais. Números do Exército mostram que a população tem solicitado muitas autorizações para portar armas de fogo. Esses pedidos são concedidos a pessoas classificadas como atiradores, colecionadores e caçadores. Somente nos sete primeiros meses deste ano, 689 civis obtiveram o Certificado de Registro (CR) na 7ª Região Militar, que responde pelos estados de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Alagoas. Esse volume corresponde a 82% do total de CRs emitidos em todo o ano de 2016 nos mesmos estados, que foi de 832. Os números preocupam entidades que militam pelo desarmamento. Por outro lado, há quem defenda que todo cidadão deveria andar armado.

O assunto é debatido em todo o Brasil, com três projetos de lei tramitando no Congresso sugerindo alteração ou até a extinção do Estatuto do Desarmamento, por meio de plebliscito que seria realizado em 2018. Os defensores da revisão alegam que a legislação atual restringe muito o acesso de civis às armas. Acham que se a sociedade tivesse mais facilidade para adquirir uma arma, a violência poderia ser contida. O Mapa da violência 2016 revela que 42.291 pessoas foram assassinadas por arma de fogo no país em 2014. Em 2004, foram 34.187 mortes. De 1980 a 2014, morreram 967.851 pessoas. Desse total, 830.420 dos casos (85,8%) foram homicídios, enquanto as outras ocorrências fatais foram suicídios ou acidentes.

A morte de 59 pessoas em um ataque no último domingo, em Las Vegas, também trouxe à luz o debate sobre o porte de armas no mundo. Diferentemente do Brasil, nos EUA o cidadão pode comprar uma arma facilmente. O responsável pela matança, que se suicidou em seguida, tinha 23 armas no quarto do hotel de onde disparou. No Brasil, além do Exército, a Polícia Federal também é responsável pela liberação de aquisição de armas de fogo por civis. Depoimentos colhidos pela reportagem revelam que o crescimento de pessoas interessadas em obter registro de arma do Exército se deve, em parte, ao aumento do número de clubes de tiros. Atiradores ouvidos pelo Diario dizem que os criminosos não agiriam com tanta facilidade se soubessem que o cidadão abordado poderia ter uma arma e tentar uma reação. “Antigamente, todo mundo podia ter uma arma em casa e a violência não estava como hoje. Os bandidos pensavam duas vezes antes de assaltar”, diz o coronel médico do Exército, Leonardo Oliveira, que é atirador.

Dados do Exército apontam que, em todo o Brasil, no ano passado, foram emitidas 20.575 licenças para pessoas físicas terem acesso a armas de fogo. Em 2015 foram 7.215 certificados de registro. Neste ano, nos sete primeiros meses, 14.024 cidadãos obtiveram CRs.

Dois caminhos para obter a licença

 

Revólver calibre 45 está entre armas permitidas para caçadores. Foto: Peu Ricardo/DP (Revólver calibre 45 está entre armas permitidas para caçadores. Foto: Peu Ricardo/DP)
Revólver calibre 45 está entre armas permitidas para caçadores. Foto: Peu Ricardo/DP

Para obter uma arma de fogo de maneira legal no Brasil, o cidadão pode fazer dois caminhos, já que as permissões são autorizadas pelo Exército Brasileiro e pela Polícia Federal. A PF é responsável pelo Sistema Nacional de Armas (Sinarm), onde são cadastradas as armas de fogo dos cidadãos, das empresas de segurança privada, da Polícia Civil e de outros funcionários públicos. Para os civis, a lista inclui revólveres calibres 22, 32 e 38, além das pistola 380. Já o Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (Sigma), de responsabilidade dos militares, cadastra as armas de fogo das próprias Forças Armadas, das polícias militares, de representantes diplomáticos, de alguns órgãos governamentais, e das categorias compostas por colecionadores, atiradores e caçadores (CAC). Com uma lista mais extensa, que inclui armas longas de repetição e semiautomáticas, esse tipo de permissão tem atraído mais interessados.

Os números obtidos pelo Diario revelam que o Exército tem concedido mais autorizações para compra de armas do que a Polícia Federal. De janeiro de 2016 até julho deste ano, a 7ª Região Militar do Exército autorizou a aquisição de 689 armas de fogo para pessoas civis em quatro estados do Nordeste, entre eles Pernambuco. Já a Polícia Federal, de janeiro de 2012 até o dia 5 deste mês, autorizou o porte de armas para 308 pessoas no estado. “Dentre essas autorizações estão os portes para defesa pessoal, os funcionais e os temporários, para pessoas que estão de passagem pelo estado e precisam estar com armas”, explicou o chefe de comunicação da Polícia Federal, Giovani Santoro.

Ainda de acordo com a PF, no período de janeiro de 2012 até a última quinta-feira, 23.648 pessoas obtiveram o registro de posse de arma de fogo. “Nesses casos, o civil só pode ter sua arma em casa ou no trabalho. A autorização não permite que ele transite com ela pela rua e todas as vezes que mudar de endereço tem que comunicar à Polícia Federal”, completou.

“No que tange ao Exército Brasileiro, cabe controlar a expedição do porte de armas de fogo aos seus integrantes orgânicos, permanecendo todos os portes e armas cadastrados no Sigma. Basicamente, no que se refere ao cidadão comum (que não se enquadra em nenhuma categoria profissional com direito ao porte de arma), o Exército é responsável por regular, registrar e fiscalizar as atividades dos colecionadores, atiradores e colecionadores, assim como as armas usadas nessas atividades. Para o exercício dessa atividades, é necessário que a pessoa requeira o Certificado de Registro (CR)”, informou o Exército, por nota.

O pecuarista João Machado Guimarães coleciona armas há cerca de 20 anos. Algumas peças do acervo foram herdadas de seu pai. Foto: Gabriel Melo/Esp/DP (O pecuarista João Machado Guimarães coleciona armas há cerca de 20 anos. Algumas peças do acervo foram herdadas de seu pai. Foto: Gabriel Melo/Esp/DP)
O pecuarista João Machado Guimarães coleciona armas há cerca de 20 anos. Algumas peças do acervo foram herdadas de seu pai. Foto: Gabriel Melo/Esp/DP

Entre os critérios para obter a certificação de CAC, com validade de três anos, estão atestado psicológico, comprovante de aptidão técnica e vinculação a um clube de tiro. Os requisitos não diferem muito dos exigidos pela PF. Licenciados precisam registrar também junto ao Exército cada uma das armas que possuem.

Na contramão das pessoas que estão na corrida para obter registros como CAC está o pecuarista João Machado Guimarães, 57 anos, que coleciona armas há mais de 20 anos. Ele tem pistolas, rifles e espingardas. Tudo registrado no Exército. “Algumas pessoas são fascinadas por carros, eu sou por armas. Sempre tive curiosidade sobre tudo que diz respeito a armas. Algumas que eu tenho hoje foram herdadas do meu pai. Como colecionador, tenho autorização apenas para transportar as armas sem munição”, explicou Machado.

Há quatro anos, 20 peças da coleção foram roubadas. “Logo depois, a polícia descobriu os envolvidos e os prendeu. Entre eles estava um ex-funcionário meu. Até hoje as armas estão em poder da Justiça. Espero o desfecho do processo para poder pegá-las novamente”, completou.

Nordeste vive pandemia de violência, segundo estudo

Dados do Mapa da violência 2016 revelam que, enquanto a taxa de homicídios por armas de fogo na Região Sudeste caiu 41,4% entre 2004 e 2014, na Região Nordeste o índice aumentou 100% nesse período. Segundo o Mapa, o crescimento do índice na maior parte dos estados do Nordeste aconteceu devido a uma pandemia de violência para a qual os governos estavam pouco preparados para enfrentar. De acordo com o estudo, a taxa média de homicídios por armas de fogo no Nordeste em 2014 foi 32,8 por 100 mil habitantes. O índice considerado tolerável pela Organização das Nações Unidas (ONU) é de 10 homicídios por arma de fogo a cada 100 mil habitantes.

De janeiro a agosto de 2017, Pernambuco teve 3.735 assassinatos. Na tentativa de reduzir a criminalidade no estado, o governo formou, recentemente, 1.448 novos policiais militares que já estão nas ruas. Na semana passada, outros 1.322 alunos iniciaram o curso de formação da Polícia Militar e 1.283 começaram também o treinamento para as polícias Civil e Polícia Científica. Dados da Secretaria de Defesa Social revelam que de janeiro a agosto deste ano, 2.985 armas de fogo foram apreendidas pelas polícias em Pernambuco.

Destruição
De acordo com o diretor da Coordenação de Recursos Especiais (Core) da Polícia Civil, delegado Sérgio Ricardo Vasconcelos, grande parte dessas armas são revólveres. “As apreensões representam uma média de 375 todos os meses. O pagamento das gratificações aos policiais que fazem essas apreensões os motiva. Depois do flagrante na delegacia, as armas seguem para perícia no Instituto de Criminalística (IC) e, em seguida, ficam no Core até que a Justiça autorize que sejam destruídas pelo Exército. Isso acontece duas ou três vezes por ano”, finalizou o delegado.

Primeiro disparo feito aos 10 anos 

Coronel e médico do Exército Leonardo Oliveira é atirador e começou a pegar em armas quando ainda era criança. Foto: Peu Ricardo/DP (Coronel e médico do Exército Leonardo Oliveira é atirador e começou a pegar em armas quando ainda era criança. Foto: Peu Ricardo/DP)
Coronel e médico do Exército Leonardo Oliveira é atirador e começou a pegar em armas quando ainda era criança. Foto: Peu Ricardo/DP

“Com 10 anos, dei o meu primeiro tiro de revólver. Aos seis, eu já atirava com espingarda soca-soca. Papai vendia armas no interior e sempre estive muito perto delas.” As declarações são do coronel médico do Exército Leonardo Oliveira, 53 anos, Atualmente na reserva, o militar, que também é atirador, afirma que desde criança gostava de armas. Defensor da revogação do Estatuto do Desarmamento, Oliveira diz que a violência no Brasil seria reduzida se a população pudesse ter armas de fogo em casa. O engenheiro agrônomo Aurimenes Albuquerque, 57, compartilha do pensamento do militar.

Leonardo e Aurimenes são filiados à Associação de Tiro do Recife (Atire), que fica sediada em Paulista, no Grande Recife. Os dois também participam de campeonatos e já ganharam várias medalhas. “Como colecionador, eu posso ter uma infinidade de armas e munições desde que estejam em condições que não possam ser ativadas. Quanto ao lugar onde o armamento é guardado, temos que informar ao Exército e é ele que defere se você pode ou não deixar as armas naquele local”, explicou Aurimenes.

Ele acredita que as armas não são as principais responsáveis pelas mortes violentas no Brasil. “A arma não mata ninguém. O que mais mata pessoas no Brasil são os carros e as motos. As motocicletas causam sequelas e deixam pessoas incapacitadas e dependentes da sociedade brasileira por uma política errada de trânsito, e o Brasil não se preocupa com isso”, concluiu o engenheiro agrônomo.

Em Gravatá, a Associação Desportiva Hipérides Cavalcanti também tem atraído muita gente interessada em atirar. “Do mês de junho em diante, aumentou muito a quantidade de mulheres querendo aprender a atirar. Algumas delas são juízas, promotoras e advogadas, mas também tem algumas donas de casa procurando a associação”, destacou o presidente da associação, Hipérides Cavalcanti.

Integrante do conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Elisando Lotin afirma que quanto mais armas estiverem em circulação, mais mortes acontecerão. “É uma utopia achar que liberar armas vai resolver a questão da violência no Brasil. Quanto mais armas, mais mortes. A arma exerce um fascínio sobre algumas pessoas, mas é um poder que não lhe dá possibilidade de defesa. É mito as pessoas acharem que a liberação de armas nos Estados Unidos foi a responsável pela redução da violência. O debate sobre a revogação do Estatuto não está sendo feito de forma racional”, pontou Lotin.

Relatório do grupo de pesquisa suíço Small Arms Survey indica que os Estados Unidos são o país com o maior número de armas de fogo em poder da população civil, 270 milhões. A taxa de 89 armas para cada 100 habitantes também posiciona os norte-americanos como campeões em números relativos. O Brasil é nono colocado no ranking absoluto, com 15 milhões de armas nas mãos de cidadãos comuns, e o 75º no ranking per-capita, com oito armas por 100 habitantes. O número anual de mortes é cinco vezes maior que a dos EUA.

Entrevista: Bruno Langeani, coordenador do Instituto Sou da Paz

Como o senhor analisa a questão do aumento de pedidos para aquisição de armas no Brasil? 
O aumento dos pedidos de compra de armas no Brasil coincide com o cenário de deterioração da segurança. Com o aumento de homicídios e outros crimes violentos, cresce junto a sensação de insegurança da população, e alguns optam por buscar a compra da arma. Essa medida, apesar de trazer um conforto psicológico, traz pouca segurança de fato para as pessoas. Quem opta por ter uma arma em casa não reduz a chance de ser roubado, mas aumenta a chance de ter acidentes, suicídios e até transformar conflitos comuns (como uma briga em família ou entre vizinhos) em uma tragédia.

Algumas pessoas estão recorrendo ao Exército para obterem porte de armas para caçar, atirar ou colecionar. Como o senhor avalia essa tendência? 
O Poder Executivo, por meio de canetadas, tem flexibilizado requisitos do Estatuto do Desarmamento sem passar pelo Congresso. Com isso, pessoas que não conseguiram justificar a necessidade da arma têm recorrido ao Exército para burlar a lei. Além disso, a atividade de caça é proibida no Brasil. São autorizadas apenas licenças temporárias para manejos em algumas espécies e em determinadas regiões. Nada justifica, portanto, essa explosão de pedidos no Exército.

Na sua opinião, quem são as pessoas que poderiam ter porte de armas no Brasil?
Andar armado não gera, mas potencializa as situações de violência. Por isso é importante que o porte esteja restrito a quem trabalha na área da segurança ou defesa nacional, como Forças Armadas, polícias, guardas etc. Para além dessas categorias, deveria ser excepcional. Não por outra razão, somos contra o projeto de lei aprovado, que concede porte de armas a agentes de trânsito, cuja função precípua é cuidar do tráfego e segurança viária e não da segurança pública. Colocar esses agentes na rua sem treinamento e sem controle adequado potencializa a violência e não traz seguranças a eles.

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